Ligar o pó e a posteridade

Texto de José do Carmo Francisco, no jornal Gazeta das Caldas (24.05.19, Caldas da Rainha), disponibilizado também no seu blogue Mesa dos Extravagantes, sobre o conjunto de crónicas O Livrinho dos Campeões, de António Manuel Venda (ed. On y va)

 

Com o subtítulo «e outras histórias de um adepto do melhor clube do mundo», este O Livrinho dos Campeões integra várias crónicas de António Manuel Venda (n. 1968), que explica na nota final: «Estes textos foram escritos ao longo de muitos anos, desde a segunda metade da década de 1990. São os vinte e cinco seleccionados de centenas que escrevi sobre futebol para meios de comunicação social (dois inclusive da minha terra, o Jornal de Monchique e a Rádio Fóia) e também para espaços on-line (como o blogue sportinguista És a nossa fé). Com a derradeira revisão feita em Agosto de 2017, surgem no final com referências a acontecimentos a que dizem respeito e com o ano em que foram originalmente escritos.»

O volume é dedicado aos filhos do autor (Bernardo, Madalena, Francisca e Rodrigo) e à memória de Malcolm Allison (1927-2010), treinador do Sporting Clube de Portugal na época desportiva de 1981/82. O título do conjunto é retirado do primeiro texto do livro: «A primeira vez em que vi um jogo do Sporting ao vivo foi no Estádio do Portimonense, em Portimão, na memorável época do título com o treinador inglês Malcolm Allison. O resultado está num livrinho de páginas brancas que fui preenchendo a cada dia em que a equipa jogava. Numa entrada de quatro de Abril de 1982 surge a minha letra tremida com o registo de uma surpreendente derrota.»

Mas não é só de vida e de vitória que estas histórias tratam; também se recorda a morte de um sócio «leonino» numa final da Taça de Portugal: «Sobre o apito inicial do árbitro, um adepto do Sporting foi atingido no peito por um very light lançado por alguém das claques do Benfica. Teve morte imediata.»

Um dos registos é o do humor, como na página 64: «A verdade é que o árbitro terá ficado pior do que doido ao ver as raparigas a entrarem-lhe pelo quarto adentro. Quase vinte e quatro horas depois o clube haveria de perder o jogo e sem grande exibição do adversário. Muitos comentadores acabariam por falar de uma noite infeliz do árbitro; sem saberem, é claro, que a noite infeliz tinha sido a anterior.»

Outro registo é o futuro, como na página 127: «Tenho uma fotografia das do telemóvel que invariavelmente me deixa espantado. Um torneio de futebol no Verão de 2014, para miúdos, em Montemor-o-Novo, num campo ao ar livre. Futebol de cinco, já com a noite a cair. Vejo bem o meu filho mais velho nessa fotografia e um pouco afastado dele, um colega. Não têm o equipamento preto do Grupo União Sport.»

Uma nota final, citando a página 33, talvez o melhor exemplo daquilo que este livro pode proporcionar, ligando o pó e a posteridade: «Numa das fotos a mulher está a encher um garrafão de água na Fonte da Santa, já perto do alto de Fóia, enquanto Cadorin segura a filha pequenina pela mão. A casa dos meus pais, onde eu vivia então, fica mais abaixo no sopé da montanha. Só na entrevista da filha, mais de vinte anos depois, descobri que ele ia com a família buscar água à minha terra. Quanta energia para os golos terá conseguido assim?»

[Texto: José do Carmo Francisco]