O poema veloz

Texto de Paulo Correia, poeta e escritor, sobre o livro O Cão Atravessa a Cidade, de António Manuel Venda (ed. On y va), publicado no Jornal de Monchique a 31 de Julho de 2020

 

«escreveria um conto

se eliminasse os versos»

 

A poesia do António Manuel Venda (n. 1968) – que nos tem habituado à prosa, ao conto – não é uma poesia estática, nem possui o tom dramático, ou elegíaco, ou melancólico, de alguma poesia, é antes um movimento contínuo, um fio de versos que nos transporta (conduz?). Conduz o leitor, é certo.

Talvez o poeta não soubesse o seu destino e entrasse a escrever por uma fresta entre blocos sieníticos à velocidade de palavras, com um cão por companheiro. O Cão Atravessa a Cidade é o primeiro livro de poemas do autor, sem se saber poeta, e transporta essas palavras de um tempo longínquo até nós, como se fossem muito antigas, talvez colhidas no fundo do tempo; lá longe, talvez resida a poesia. É preciso aproximá-la, no seu caso trata-se de aproximação, por vezes pungente, fotográfica.

E os lugares mais altos, altíssimos, tão altos que deles se pode observar todo um país (de um sul que pode abarcar o universo, um país de poetas). Mas estes lugares podem medir-se com a espessura de uma identidade de pessoas dentro de seres imaginados (também a identidade do autor), que de tão imaginados se tornam reais. De repente o leitor é convidado a entrar nesse universo de escuridão e luz onde correm os versos desenfreados (esses cães flanqueadores que nos acompanham durante a leitura).

Revelar ângulos nunca expostos, ou pétalas por florir, ou apenas revelar o sujeito de uma peculiar sensibilidade, transportar o significado dessa revelação na impressão da página, para o exercício da leitura.

E no entanto as histórias pululam entre versos, dentro deles, dentro de um verso veloz cabem todos os matizes da linguagem, e nestes a memória das histórias existe, as próprias histórias a cantar. Não é moderata cantabile esta poesia, é cantada a plenos pulmões.

O Cão Atravessa a Cidade (fevereiro de 2020), primeiro livro de poemas do autor, inclui a colecção de poesia da editora On y va. É caso para dizer, vamos bem.

 

[Texto: Paulo Correia]