Clara Andrade na Casa das Palavras

Clara Andrade vai marcar presença no dia 15 de Abril de 2023 na Casa das Palavras na Serra dos Dois Dinossauros Adormecidos, em Monchique. Será num evento que decorrerá entre as 16 e as 18 horas desse dia, um sábado, com autores que publicaram livros na On y va, maioritariamente poesia.

Assumindo a forma de tertúlia literária, o evento tem como tema «Olhares sobre a Vida e a Escrita», com moderação de António Manuel Venda, editor da On y va. Presenças, além de Clara Andrade, de Paulo Rosa, José Carlos Barros, Ana Sofia Brito, Marco Mackaaij e Paulo Correia. Ver mais informações aqui.

Clara Andrade nasceu na Beira Alta em 1962, vive em Portimão e trabalha na Biblioteca Municipal de Lagoa desde 1996. É licenciada em Filosofia, com especialização em Ciências Documentais, e interessa-se pelas artes, em especial pintura e literatura. Leitora por paixão, escreve sobretudo poesia, mas também prosa, e com isso, diz, vai desatando os muitos nós que lhe atam por dentro os dias. Às vezes, também serve para a encantar. Na pintura, conjuga elementos abstratos com figurativos, sendo a cor quase sempre um elemento forte e de destaque.

Publicou na On y va a narrativa «E sobre tudo, as camélias», com a qual venceu destacadíssima a primeira edição do «Concurso de Escrita Criativa Poeta António Aleixo». Nessa narrativa oferece-nos o surpreendente, a marca da ambiguidade desarmante, que é, ao mesmo tempo, o fundo de um abismo para onde a alma cai e a beira do precipício a partir da qual se olha para baixo. É o mundo particular e subjetivo de uma mulher, com as suas reflexões ontológicas sobre o amor, o tempo, as partidas e os regressos. As relações com os homens, com a família e o tempo da memória são o tema do discurso, sem descurar algumas realidades sociais, como a remodelação do café da terra para aonde regressa.

A seguir, um poema de Clara Andrade:

 

VIAGEM

E tudo o que somos se tornou areia.

Bastou um sopro na fundura mais negra de um buraco fechado escavado cá dentro. É uma torre. É feita de pedra. Uma única brecha muito estreita, nada de portas nem de janelas, parece que nela nos encurralaram, mas não tenho a certeza porque os olhos cegaram consumidos por dentro. Ardendo.  Queimando a carne, chamuscando a boca, babando os dias na linha das águas que nos percorrem. Canais sinuosos semelhantes a veias, algumas fechadas, algumas abertas, carregando sóis, carregando venenos.

Bastou um sopro.

Espelho que fala atravessando os mundos. Lanterna acesa. Areia.

Bastou um sopro e ampliamos a lua e tudo à volta. Soldado fugindo. Ardendo por fora. Correndo longínquo num campo sem fim coberto de rosas, perdido sem nome num tempo ausente. Luz que canta, estrondosa.

Nem uma palavra consegue ser dita.

Tão bela a noite.

31 de Março de 2023