A casa e o mundo

Texto de José do Carmo Francisco, publicado nos jornais «Correio do Ribatejo» e «Milénio Stadium» (Toronto), a 7 de Abril de 2023, sobre o livro «Voar» (ed. On y va), de António Manuel Venda

Neste livro de 92 páginas o autor dedica os doze poemas aos quatro filhos: Rodrigo, Francisca, Madalena e Bernardo. A editora é a On y va, a capa tem sobre a foto o lettering de Alexandra Ramires, o grafismo é de João Paulo Fidalgo e a foto do autor de Dora Nogueira.

O ponto de partida é uma memória pessoal («sempre tive o sonho nada secreto de voar») e esse sonho acompanha o autor (n. 1968) pela vida fora: «era na alemanha nos meus tempos finais de estudante». Mas o voo tanto pode ser no céu da Europa («se me voltasse para trás/ quem sabe daria/ com o casario/ de budapeste/ ou os campos brancos/ da mais branca/ de todas as escandinávias») como a dez metros de altura numa árvore em Portugal; embora com uma adversativa: «convém/ no entanto/ ter alguma/ moderação/ não contar toda a vida/ sonhada/  do papa-figos francês».

Outro tipo de viagem pode ser o comboio («ficávamos na plataforma/ da estação/ abandonada/ os dois/ os dois à espera/ que aparecesse aquela serpente/ muito comprida/ a apitar») ou o amor: «disse-lhe que seria capaz de casar/ com ela/ mil vezes».

A propósito do acto de escrever e do projecto de ser escritora quando for crescida (Madalena), fica a ironia da página 49: «nem eu sei/ o que poderei ser/ se alguma vez/ for crescido».

O poeta cresceu de facto e, já adulto, percebe (sem ironia) o logro de uma visita de um secretário de Estado «à cata de microfones/ câmaras de filmar/ e blocos de apontamentos».

Se o ponto de partida é a casa, o ponto de chegada é o mundo. Um exemplo é o poema da página 71, quando o filho mais velho está na praia e retira das mãos do pai o livro Os Maias, de Eça de Queirós, para o tresler: «o lobo mau/ estava a jogar à bola/ e de repente/ passaram-lhe uma rasteira». Outro exemplo está na página 76, quando se evoca um filme de Martin Scorsese com a actriz Rosanna Arquette, Nova Iorque Fora de Horas, em que esta interpreta o papel de Marcy Franklin.

Sempre a casa e o mundo, o local e o universal, o privado e o público, a luz e a sombra.

[Texto: José do Carmo Francisco; sem título, que foi opção da editora nesta divulgação]
7 de Abril de 2023