Apresentação em Monchique de «Montanário»

Texto de Ana Paula Gervásio, de suporte à apresentação do livro «Montanário», de Eduardo Jorge Duarte (ed. On y va), em Monchique, a 9 de Dezembro de 2017

 

Obrigada pela vossa presença nesta que é a primeira apresentação do primeiro livro do Eduardo Jorge Duarte, o nosso Edu.

Há muito que se esperava este acontecimento, há muito que esta realidade se adivinhava, pois o seu percurso literário já é irreversível. Restava-nos saber quando é que isso aconteceria e que tipo de livro seria (um livro de contos, um livro de poesia, um romance…). O baú literário do Eduardo é de tal maneira diversificado e substantivo que nos deparávamos com uma multiplicidade de possibilidades.

Mas antes de falar sobre o livro, queria cumprimentar os elementos que me acompanham na mesa, começando pelo Presidente da Junta de Freguesia, a quem agradeço toda a dedicação e carinho que colocou na preparação deste evento, que marca também a sua estreia num lançamento de um livro, na sua qualidade de presidente de uma autarquia.

Um cumprimento muito especial ao António Manuel Venda, indiscutivelmente o escritor monchiquense mais conhecido no panorama literário nacional, mas que aqui está hoje na qualidade de editor, com a sua nova editora, a On y va, a quem desejo, desde já, os maiores sucessos, a apadrinhar o primeiro lançamento do Eduardo, o que, à partida, funciona como uma garantia, uma espécie de selo de qualidade do produto.

Finalmente, queria agradecer ao Edu a honra deste convite, que me deixou, naturalmente, muito emocionada e orgulhosa, embora preferisse ver, aqui, alguém que fosse uma referência no mundo literário ou no meio jornalístico, como já aconteceu anteriormente, nomeadamente no lançamento de algumas das obras do António, o que acrescentaria, seguramente, uma mais-valia inquestionável ao trabalho do Eduardo.

Recusada esta minha sugestão pelo autor, é óbvio que aceitei esta enorme responsabilidade com muito orgulho.

Nos dias que correm, a leitura faz-se, cada vez mais, através de dispositivos digitais, com recurso a meios informáticos. No entanto, segurar um livro na mão continua a ser um enorme prazer para muitos de nós.

A primeira relação que se estabelece entre o leitor e o livro é uma relação física. E, por isso, os aspetos paratextuais, o que está antes do texto, podem ser determinantes na relação afetiva, na empatia que estabelecemos com um livro. E, neste âmbito, há que reconhecer o trabalho excecional da On y a.

Roger Chartier, considerado o historiador dos livros mais famoso do mundo, costuma dizer que «os autores não escrevem livros, eles escrevem textos que se transformam em livros pelas mãos de especialistas, que são os editores».

A ilustração que percorre a capa e a contracapa merece-me um particular destaque. Funcionando numa simbiose perfeita com o título, «Montanário», deixa adivinhar a simbologia dos MM que se recortam na paisagem e que dão eco às palavras Montanha, Monchique.

De facto, são as montanhas, a Serra de Monchique, a grande referência desta obra, que, segundo o autor, «começou por ser um diário onde ia registando, em notas sucessivas, (…) o andamento dos seus dias». E o protagonismo da montanha é de tal maneira circundante que, muitas vezes, não a conseguimos dissociar do próprio escritor. No poema «Perfil» (págs. 30 e 31), ele diz: «Serra. As tuas fragas são sangue/ a correr-me nas veias».

É com a serra que se identifica. É nos seus horizontes que encontra as coordenadas que o caracterizam e o definem. «Basta-me, apenas, descrever Monchique, e estou logo a revelar tudo o que de interessante há a dizer sobre mim à exceção dos livros que leio» (pág. 108), diz-nos o autor, para, mais à frente, volvidos dois anos, acrescentar a seguinte nota biográfica: «Eduardo Jorge Duarte, um metro e tantos de altura e novecentos e dois metros de tamanho» (pág. 155).

Embora o autor reconheça várias vezes o «magnetismo curioso» que o atrai a outras paragens, confessa que é aqui, em Monchique, que se há de procurar sempre. «Pareço um parafuso. Dou voltas ao país e ao mundo e acabo sempre por rodar em torno da minha geodesia original: Monchique» (pág. 59).

A cumplicidade com a Montanha é uma constante ao longo de todo o livro, desde o primeiro poema, sem data, até ao último texto, datado de 12 de novembro de 2017. O vulcão de lava emotiva que cilicia o escritor chega a ser posto em confronto com o presumido vulcão de lava eruptiva que a Montanha adormeceu no seu ventre. E é nessa confluência de erupções que o autor procura o alívio para o desalento e a aflição que tantas vezes o atormentam.

No entanto, a Montanha, a Serra Azul de Manuel do Nascimento, cujo epíteto Eduardo Jorge Duarte adotou, é também a musa inspiradora que dá forma a alguns dos seus melhores poemas.

E nada melhor do que juntar duas musas para podermos apreciar toda a beleza do poema que encontramos na página 131.

(Leitura – F.), pág. 131

A afetividade partilhada com a Montanha não se esgota na paisagem natural: de um modo ou de outro, todos nós, que aqui estamos, nos encontramos nas páginas deste livro. Individual ou coletivamente, de uma forma direta ou esbatida, revemo-nos nos textos, marcados, todos eles, por uma generosidade descritiva que amplia as qualidades e volatiliza os defeitos.

E na paleta dos afetos de Eduardo Duarte, a família está sempre presente. Num texto datado de 31 de julho de 2012, o escritor envolve o sobrinho no deslumbramento da paisagem que se avista da Fóia e os dois abraçam-se num «poema de telúrica ternura» cuja métrica só podia ser favorável à criança.

E é precisamente ao sobrinho, ao A., que vou pedir ajuda para partilhar convosco um dos mais bonitos textos do Eduardo, que nos remete para a nossa infância, apelando aos nossos cinco sentidos, numa amálgama de sinestesias.

(Leitura – A.), pág. 80

A afeição com que, fala da família neste livro não deixa ninguém indiferente e os textos que constrói dessa afeição são, seguramente, alguns dos preferidos dos leitores. Que o diga o J. S., um dos amigos mais próximos do nosso escritor, também ele claramente referido neste «Montanário», e que, desafiado a fazer uma leitura nesta apresentação, selecionou o texto que encontramos na página 135.

(Leitura – J. S.), pág. 135

Como mãe, não consigo nunca ficar insensível aos textos em que fala da sua mãe. A mãe, que o conhece melhor do que ninguém, que pressente o que lhe vai na alma e que, ao ouvir o seu assobio pela manhã fora, lhe diz «Lindamente canta o rouxinol pela aurora!», sabendo que «o silvo cónico que lhe sai dos lábios é apenas mais uma maneira silenciosa de se livrar airosamente do desespero».

E há tantas e tantas outras notas recheadas de afetividade. Mas não posso deixar de referir os textos, carregados de emoção, em que nos fala do tio, que tinha «olhos de nuvem de verão» e em cujos braços quentes se alojava, sentindo-se «a abraçar as pedras da serra», ou da avó, a avó Júlia, uma mulher invulgar, que, sendo analfabeta, escreveu delicados bilhetes em renda e cujas histórias foram o motor para a criatividade literária do Eduardo.

E, depois, há também os amigos, tantos amigos, que aqui se reúnem neste livro e que são chamados a apelar à memória para recordar momentos únicos. Não é, J. P.?

(Leitura – J. P.), pág. 101

E há, ainda, e sobretudo, a F.  A F. que mudou o rumo da sua escrita, que a tornou mais colorida e alegre, e deu sentido à sua vida.  Na entrada de 21 de fevereiro de 2016, o Eduardo escreve o seguinte: «Regresso a Monchique, vindo de Lisboa. Trago o saco cheios de mimos da F., vejo luzes, ouço gargalhadas e vozes, sinto afagos no cabelo enquanto recordo outras sensações emotivas que habitam a saudade». E estas palavras dizem tudo!

Nas páginas deste «Montanário», encontramos inúmeras alusões às referências literárias do autor e muito particularmente aos escritores monchiquenses Manuel do Nascimento, António da Silva Carriço e António Manuel Venda, que apelida de «príncipes da literatura» (pág. 161). A mais sentida biografia do talentoso e esquecido escritor neorrealista Manuel do Nascimento está aqui, num texto escrito no dia 5 de novembro de 2012, no ano em que se assinalou o centenário do seu nascimento (págs. 37 e 38). Já em relação a António Manuel Venda, o Eduardo confessa-nos uma «uma proveitosa admiração pela habilidade da sua pena» (pág. 112), admitindo que o agora seu editor «foi, tem sido, um autor que apela ao pleno prazer da leitura em cada livro. Porque as suas obras são quase sempre lidas não apenas com os olhos e com o entendimento, mas também com todo o tornado de sensações que desencadeiam um arrepio incendiado na medula» (pág.87).

É provável que muitos de nós já se tenham cruzado com vários dos textos que compõem este livro: ou porque os lemos no «Jornal de Monchique» ou no blogue do autor ou no Facebook ou porque os ouvimos numa tertúlia literária ou num outro lançamento de um livro.

No entanto, o facto de já estarmos familiarizados com eles não lhes retira o encanto e não ofusca o assombramento com que os lemos. Pelo contrário, cresce a vontade de os ler e reler e voltar a ler.

«‘Montanário’ é o primeiro livro de um grande escritor», lê-se na segunda badana. E eu diria que é um livro que se aconselha a bons leitores, a leitores compulsivos, que buscam a grandeza das histórias e das vivências e que apreciam a literariedade da escrita.

Mas é também um livro que se recomenda a leitores resistentes. Na pequena dimensão dos textos poderão encontrar a motivação que os conduza ao prazer da leitura.

[Texto: Ana Paula Gervásio/ Foto: Luís Duarte]