Uma ideia de fluxo

Texto de Paulo Correia, poeta e escritor, sobre o livro Aves Migratórias, de Gabriela Ruivo Trindade (ed. On y va), publicado na sua página de Facebook em Junho de 2020

 

O livro de poemas da escritora Gabriela Ruivo Trindade intitulado «Aves Migratórias» (On y va, 2019) é também o título do primeiro dos seus seis conjuntos de poemas. Existe latente uma ideia de fluxo, tal como nas migrações evocadas, metáfora igualmente válida para os poemas de amor que inauguram o primeiro conjunto, o da pertença ao outro ou despertença de si. Existe uma voz autoral que se vai definindo, embora sem conhecer os aspetos cronológicos dos conjuntos de poemas aqui editados; dir-se-ia que existe um desnivelamento no conjunto ou reunião que nos é aqui proposta. Excepção a isto é a última secção de poemas em prosa, «Transpiração», um exercício em torno da evaporação, de uma liquidez que tudo inunda e suspende, quase cintila, parecendo flutuar, à tona do poema. Este é um ponto alto do livro, como num excerto de «Temperatura»:

«(…) Não sabia o que era. A sensação era semelhante à mão da mãe, e, ao mesmo tempo, substancialmente diferente. Este toque acordava-lhe qualquer coisa debaixo da pele, como se formigas incandescentes se passeassem pelos seus braços e pernas, detendo-se em turbilhão na barriga, ameaçando explodir. (…)»

Uma vertigem de sensações que marca uma das imagens mais fortes do livro, como se tudo fosse em crescendo e a autora não pudesse mais comandar a linguagem.

 

[Texto: Paulo Correia]

NOTA: na imagem, pintura de Sónia Queimado-Lima para a capa do livro.