Barlavento

A publicação viu a luz do dia em 1943 e apresenta-se em trajes modernistas, com uma escrita sintética incomum. Se encararmos a capa original, assinada por alguém denominado Otelo, como o cartaz consciente do produto velado por detrás dela, dir-se-ia estarmos perante uma obra de traje modernista, em linhas depuradas e estilo minimalista./ A verdade é que há uma continuidade entre a capa e a escrita. Forçando a comparação, tal como a capa transmove de forma depurada a tradicional chaminé algarvia, também o escritor, de forma inovadora, interpreta certo conservadorismo de valores. Estilisticamente, impera a frase curta e com pouca avaliação sentimental, quadro quase assético para a exposição dos acontecimentos, quase sem concessões líricas ou psicanalíticas. A sintaxe roça a linguagem telegramática, num toque minimal pouco frequente nas letras portuguesas.

Excerto do prefácio de David Roque

 

Autor: Luís António dos Santos

Colecção: «On y va, Romance»

Páginas: 244

 

Um excerto

A onda rebentou em cheio na canoa; enrolou-a na espuma e voltou-a várias vezes.

Os quatro homens que se tinham lançado à água e mergulhado dirigiam-se a nado para a praia. Só se lhes viam as cabeças misturadas com os peixes e os apetrechos que o mar tinha arrebatado da pequena embarcação. De vez em quando desapareciam.

António, melhor nadador, agarrou num remo que junto dele flutuava e aproximou-se do pai para o auxiliar; porém, José acompanhava-o de perto e não o abandonava.

Quando estavam quase a tomar o pé, uma vaga quebrou sobre eles e embrulhou-os. Debaixo de água, sem poder retomar os movimentos, esforçavam-se para se desenvencilhar do medonho redemoinho que os envolvia. Separados, tontos, enrolados na espuma, à mercê do mar, foram arremessados para cima da areia.

José foi o primeiro a levantar-se e, cambaleando, procurou distinguir os companheiros. A ressaca levara o pai para fora. Ao ver o irmão, correu para ele e gritou:

– Vamos buscar o pai… o mar leva-o – e apontando com o braço, acrescentou: – Olha, onde ele já vai!…

Jogaram-se ambos à água e trouxeram João Gramacho para terra, onde o deitaram sobre a areia. Com as pancadas das ondas perdera os sentidos.