Um tributo à natureza

Texto assinado por Lalma Domus, publicado a 6 de Novembro de 2019 na secção «Mil Folhas» do espaço on-line Deus Me Livro (https://deusmelivro.com), sobre o livro O Perfume da Esteva (ed. On y va), de Paulo Rosa

 

O Perfume da Esteva (On y va, 2019) é um livro sobre caça e a natureza, de um autor na pele de um «observador não participante». Paulo Rosa, licenciado em Direito e pós-graduado em Estudos Europeus pela Faculdade de Direito de Lisboa e com um master em Interculturalismo e Ambiente pela Universidade Ca` Foscari de Veneza, é advogado, professor do ensino secundário, jornalista e poeta. É, há cerca de 25 anos, presidente da Rádio Fóia CRl e director-adjunto do Jornal de Monchique, sendo também membro da Direcção de «O Monchiqueiro» e membro da Direcção da Algfuturo. Foi o primeiro presidente, e durante vários mandatos, da associação ambientalista «A Nossa Terra», sendo actualmente presidente da Assembleia Geral. Desempenha ainda outros cargos: presidente da Direcção da Associação de Produtores de Medronho do Barlavento Algarvio (APAGARBE), deputado municipal independente em Monchique, delegado da Ordem dos Advogados e presidente do Conselho Disciplinar da Federação de Caçadores do Algarve. O Perfume da Esteva é o livro de estreia deste autor algarvio.

A obra consiste como que em «poesia naturalista, ambientalista», com efusivos traços de «poesia cinegética», enquanto consequência dos anos que o autor experienciou «no acto da caça e de comunhão com a Natureza». Um caçador e observador experiente, com paixão pelo animal (pela Pitucha, por exemplo, num poema sincero de amor a ela escrito) e pelo ambiente, e os animais e os ambientes, com o «tal toque» jurídico que ressalva de quando em vez (também em «Um olhar» de Ortega y Gasset).

Apesar de não se apresentarem relevantes os cânones formais da poesia clássica, temos alguma preocupação rimática recorrente – por entre o mesmo verso («Quase a medo por em segredo», em «Dia de Santa Aberta») ou entre versos, existindo até em esquemas rimáticos-padrão, com rimas entrecruzadas – e alguma preocupação com a estrutura externa referente ao número de versos e estrofes (com a existência de um soneto, por exemplo). O autor aflora a tradicional composição de versos, nas suas variadas facetas. Não obstante a construção «simples», o léxico é elaborado, num manto coberto de linguagem muito «rica», com alguma repetição previsivelmente involuntária de vocábulos.

A leitura preenche-se com muito ritmo («É a noite mãe da melhor manhã», em «Dia de Santa Aberta»), recheado de som («Quando vem e quando vai retorna a casa/ Nesse espelho que se vê (…)», em «Ao pato-real»), que faz jus ao global tema da obra, embora as onomatopeias não sejam tão recorrentes como esperadas, com apenas ocasionais desabrochares («A paixão vocalizada num uu-uu repetido e grave», em «Ao bufo-real»). De salientar, o esplendor do término das estrofes, principalmente a finalizar o poema, que parecem demonstrar um cuidado específico do autor («E ergue a si uma estátua de ódio de corpo inteiro», em «À raposa»).

Os poemas seguem um descritivo lógico, que acompanha o título: uma dedicatória aos «bichos» que fornece uma panóplia de informações e sensações. À parte da beleza lírica («A noite esvaziou o mundo a cor/ Tudo se vestiu de cinzento e negro/ Em matizes que o luar define e rege (…)», em «Os sons da espera» ou «A planície é um mar sem ilha à vista/ E o porto de chegada é a noite e o cansaço», em «Caça no terreno livre»), as palavras tornam-se educativas, num sentido de exposição e explicação do natural, com reflexos em simbolismos, redireccionados para a vida humana («Puseram-no a dar horas o dia inteiro», em «Ao cuco canoro»).

Com um toque informal, a voz poética demonstra ouvir-se em tom contente (quase infantil), devido à vivacidade narrativa e ao relembrar do companheirismo. Esta revela-se rapidamente algo mais desenvolvido, pormenorizado e elaborado (quase idoso): muitas referências feitas que não parecem ser passíveis de ser compreendidas por todos os comuns mortais, inúmeras alusões de conhecimento mitológico e aparecimento do latim, enquanto «uso imprescindível para identificar os animais, que descreve nos seus poemas», como em «À Cyanopica cyanus» (sem rigor excessivo).

A mensagem poética passa por um incentivar à preservação ambiental, ecológica, com destaque na serra algarvia e na biodiversidade ambiental da região. Este ecologismo pode tornar-se confuso pelo vislumbre de afectos aparentemente contraditórios do autor: o associativismo ambientalista e a caça. Todavia, a obra é um tributo à natureza, com bem-querer e sentido de responsabilidade, vindo do coração – «Que as coisas da vida/ São boas ou más/ Porque as julgamos/ Quando o pensamos/ Porque só é escravo quem o sente/ E soberano quem não precisa de reinar» (em «Liberdade»).

Aconselha-se a leitura de O Perfume da Esteva a algarvios com amor à terra, portugueses com paixão pela caça e humanos com impulsos enraizados, algo institucionais, de preservação ambiental.

 

[Texto: Lalma Domus]