Sobre o livro «O que Foi Cidade»

Texto de José do Carmo Francisco, publicado em Toronto, Canadá, no semanário «Milénio Stadium» (ed. 17 a 23 de Março de 2023), sobre o livro «O que Foi Cidade» (ed. On y va), de Liyanis González Padrón.

 

Editado pela On y va (capa de Miguel Betancourt e uma referência de contracapa a palavras de Luis García Montero), o livro «O que Foi Cidade», de 84 páginas e 32 poemas, organiza-se de modo a colocar lado a lado o texto original e a tradução de António Manuel Venda. A autora nasceu em Cuba (1971) e vive no Equador desde 1995. Publicou vários livros de poesia (2005, 2008, 2012, 2016 e 2019) e trabalhos seus integram antologias publicadas em vários países: Chile, Equador, EUA, México e Peru.

Trata-se de uma poesia culta, mistura feliz de arte e comunicação, cujas citações passam por Italo Calvino, Claudio Rodriguez, José Lezama Lima, Blanca Varela e Emily Dickinson: «que tristeza é ter uma casa vazia». O ponto de partida deste livro está na página 7 («Sonhas que acordas noutra cidade»), embora o título esteja na 39: «No princípio /acreditávamos que a cidade albergava símbolos/pardais nos fios/ letreiros/ bandeirinhas». Mesmo vivendo em outras cidades, a autora transporta a memória da ilha onde nasceu («geométrico rosto da minha ilha») e da família nuclear: o pai («Um país foge das minhas mãos (…). Regresso ao sonho/ sempre ao sonho/ onde o meu pai esconde/ – nos seus bolsos macerados –/ os restos do seu aroma»), a mãe («A minha mãe volta o rosto/ para o lugar mais singelo da casa») e o avô: «beijas com devoção a cruz/ que te ofereceu o avô». Nestes poemas o «eu» tem lugar («Eu prefiro as minhas nostalgias»), mas o plural está sempre presente: «Quando voltar ao meu nome/ (…) cairão os pães e os peixes/ por buracos de fome». A voz poética procura conhecer-se («O animal canta») e define o seu ofício: «Observo sem rumo/ este ponto imóvel/ as pálidas folhas/ no pequeno charco/ que é a vida», mas sem esquecer o lugar de onde partiu: «Ser cubano é levar às costas uma ilha».

[Texto: José do Carmo Francisco]